5 de julho de 2017

Na primeira pessoa

Uma das coisas que mais gosto é trabalhar ao final do dia, podem dizer-me que o cérebro já está cansado, que a produtividade não é a mesma mas a verdade é que para mim funciona muito melhor. Regra geral, o escritório já está em silêncio, mais de metade das pessoas já saíram, os meus colegas que insistem em ouvir música de auriculares de modo a que eu possa ouvir, ou insistem em cantar, também já foram embora e fico só eu, o meu foco e esse silêncio.

A parte chata é quando esse silêncio é invadido por rodinhas.

Com o passar dos tempos, o meu sistema nervoso foi associando o som de rodinhas no corredor do escritório a sentimentos menos bons e, por muito que as condicionantes se tenham alterado, essa associação permanece.

Certo dia, estava eu focada no meu mundinho e ouço as ditas rodinhas, como felizmente a interação diminuiu drasticamente, nem liguei. Até ao momento em que o som das mesmas se imobilizou mesmo à porta do espacinho onde agora passo o meu tempo. De repente, ouço o meu nome. A sensação de encarquilhamento começou nas unhas dos pés e subiu até à raiz dos cabelos a uma velocidade estonteante e, no momento em que ouvi “Tens disponibilidade para…”, só tive tempo de accionar os travões a fundo porque a minha voz interior já tinha respondido “para ti, nunca!”. Trocámos duas ou três frases idiotas, rematadas com um “O quê? Isso ainda não está pronto?” a que eu me reservei o direito de não responder “Há-des ter muito a ver com isso!” e isso arruinou todo o meu trabalho de sou-tão-feliz-aqui-que-não-me-imagino-em-mais-lado-nenhum das últimas semanas.

O meu mundo laboral não é perfeito, mas nenhum é. Adoro aquilo que faço quando me mantenho atrás do computador e crio e programo e desenvolvo e analiso, quando não tenho dinâmicas que não me dizem nada, quando não tenho eventos aos quais me sinto obrigada a ir e passo o tempo contrariada, quando não tenho 50500 reuniões. E agarro-me a esse sentimento do “nem tudo é mau”, não dou pulos de felicidade mas penso que é um bom sítio para cumprir os mínimos olímpicos. Chego até a recusar entrevistas e novos desafios profissionais. E depois, lá vêm as rodinhas outra vez e sinto vontade de fugir, correr atrás do primeiro recrutador que apareça (ou do último que recusei) e implorar para que me aceitem, para que me tirem daqui, para não ter que lidar com a tacanhez de quem ainda pensa “se não quiseste trabalhar comigo agora faço-te a vida negra”.

A formiguinha sou eu. Teoricamente, o problema não são os outros com essa mentalidade pequenina, sou eu que lhes dou demasiada importância, sou eu que não sei viver nesta realidade da hipocrisia. Será que isto quer dizer alguma coisa?

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